Grupo no facebook

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A felicidade de Deus


John Piper


A Base do Prazer Cristão


O alicerce do prazer cristão é o fato de que Deus é supremo em suas próprias afeições:
O principal propósito de Deus é glorificar a Deus e ter prazer em Si mesmo para sempre.

A razão de isso soar estranho para nós é que estamos mais acostumados a pensar em nossas obrigações do que nas intenções de Deus. E quando perguntamos pelas intenções de Deus, estamos muito propensos a descrevê-las conosco no centro das afeições de Deus. Podemos dizer, por exemplo, que seu propósito é redimir o mundo. Ou salvar pecadores. Ou restaurar a criação. Coisas assim.
As intenções salvíficas de Deus, porém, são penúltimas, não últimas. Redenção, salvação, restauração não são o objetivo primordial de Deus. Ele as efetua em prol de algo maior: a alegria que ele tem em glorificar a Si mesmo. O alicerce do prazer cristão é a lealdade de Deus não a nós, mas a Si mesmo.
Se Deus não se dedicasse infinitamente à preservação, à manifestação e ao deleite da sua própria glória, não poderíamos ter esperança de encontrar felicidade nele. Mas se ele realmente usa todo o seu poder soberano e sabedoria infinita para maximizar o prazer na sua própria glória, então temos um fundamento sobre o qual podemos nos firmar e alegrar.
Sei que isso, à primeira vista, pode nos deixar perplexos. Assim, tentarei subdividir o assunto e apreciar uma parte de cada vez, para voltar a reunir tudo no fim do capítulo.
A soberania de Deus: a base da felicidade dele e nossa
Deus tem o direito, o poder e a sabedoria

para fazer tudo o que o faça feliz.

Nenhum dos seus propósitos pode ser frustrado.

Por isso, ele nunca tem deficiência nem necessidade.

Nunca está de mau humor nem desanimado.

Ele está sempre pleno, transbordante de energia

para agir em favor do seu povo,

que busca a felicidade nele.


"O nosso Deus está nos céus: faz tudo o que lhe apraz" (Sl 115.3, arc). A implicação desse texto é que Deus tem o direito e o poder de fazer tudo que o deixa feliz. É isso que significa dizer que Deus é soberano.
Pense um pouco nisso: se Deus é soberano e pode fazer tudo o que lhe apraz, então nenhum dos seus propósitos pode ser frustrado.
O Senhor frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos. O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações (Sl 33.10, 11).

E se nenhum dos seus objetivos pode ser frustrado, ele deve ser o mais feliz de todos os seres. Sua felicidade infinita e divina é a fonte de onde o prazer cristão bebe e deseja beber cada vez mais.
Você consegue imaginar como seria se o Deus que governa o mundo não fosse feliz? Como seria se Deus tivesse a tendência de reclamar, ficar com tédio e deprimido, como algum gigante de João e o pé de feijão no céu? Como seria se Deus ficasse frustrado, desanimado, mal-humorado, sinistro, descontente e abatido? Poderíamos por acaso nos juntar a Davi e dizer: "Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água" (Sl 63.1)?
Duvido. Todos nos relacionaríamos com Deus como crianças pequenas que têm um pai frustrado, sombrio, desanimado e descontente. Elas não conseguem se alegrar nele. Podem apenas tentar não incomodá-lo, e talvez tentar trabalhar para ele para conseguir algum pequeno favor.
Por isso, se Deus não é feliz, o prazer cristão não tem alicerce, porque o objetivo daquele que busca o prazer cristão é ser feliz em Deus para deliciar-se nele, cultivar e ter prazer em sua comunhão e boa vontade. Crianças não podem ter comunhão alegre com seu pai ele é infeliz. Por  essa razão, a base do prazer cristão é a felicidade de Deus.
A base da felicidade de Deus, por sua vez, é a sua soberania: "O nosso Deus está nos céus: faz tudo o que lhe apraz". Se Deus não fosse soberano, se o mundo que ele fez estivesse fora de controle, frustrando seus desígnios vez após vez, Deus não seria feliz.
Assim como nossa alegria se baseia na promessa de que Deus é suficientemente forte e sábio para fazer todas as coisas cooperarem para o nosso bem, a alegria de Deus está baseada no mesmo controle soberano: ele faz todas as coisas cooperarem para a sua glória.
Já que tanta coisa depende da soberania de Deus, devemos nos certificar de que a base bíblica dela é sólida.
A base bíblica da felicidade soberana de Deus1
Deus diz:
—Meus desígnios prevalecerão, e realizarei todos os meus intentos.

Por isso Jó diz:
—Nenhum propósito seu pode ser frustrado.

Seus propósitos abrangem todas as coisas, incluindo o pecado. Por isso a crucificação de Cristo foi da vontade de Deus, apesar de ter sido o maior pecado jamais cometido. "A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão."2 O próprio fato de que Deus é Deus implica que seus propósitos não podem ser frustrados —  como diz o profeta Isaías:
Eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46.9, 10).

Os propósitos de Deus não podem ser frustrados; não há ninguém como Deus. Se algum propósito de Deus fracassasse, isso implicaria que há um poder maior que o de Deus. Implicaria que alguém pode impedir sua ação quando ele decide fazer algo. Mas ninguém pode "deter a sua mão", como entendeu Nabucodonosor:
Seu domínio é sempiterno, e seu reino é de geração em geração. Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Dn 4.34, 35).

Sua soberania supera calamidades
Essa foi também a confissão final de Jó, depois que Deus lhe falou do redemoinho: "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado" (Jó 42.2). "O nosso Deus está nos céus: faz tudo o que lhe apraz" (Sl 115.3).
Isso levanta a questão de também serem o mal e os eventos calamitosos no mundo parte do plano soberano de Deus. Jeremias olhou para a carnificina em Jerusalém quando de sua destruição e chorou:
Com lágrimas se consumiram os meus olhos, turbada está a minha alma,e o meu coração se derramou de angústia por causa da calamidade da filha do meu povo; pois desfalecem os meninos e as crianças de peito pelas ruas da cidade (Lm 2.11).

Porém, quando ele olhou para Deus, não pôde negar a verdade:
Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem? (Lm 3.37, 38).

"Temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?"
Se Deus reina soberano sobre o mundo, então o mal no mundo não está fora do seu desígnio. "Sucederá algum mal à cidade, sem que o Senhor o tenha feito?" (Am 3.6).
A frase acima foi a expressão reverente de Jó, servo de Deus, afligido por tumores: "Temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?" (Jó 2.10). Ele disse isso apesar de o texto declarar que "saiu Satanás da presença do Senhor e feriu a Jó de tumores malignos" (Jó 2.7). Estava Jó errado em atribuir a Deus o que veio de Satanás? Não, porque o escritor nos diz imediatamente após as palavras de Jó: "Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios" (Jó 2.10).
O mal que Satanás causa acontece apenas com a permissão de Deus. Por isso Jó não está errado em vê-lo como originário da mão de Deus. Seria antibíblico e irreverente atribuir a Satanás (ou a seres humanos pecadores) o poder de frustrar os planos de Deus.
Quem planejou o assassinato de Cristo?
O exemplo mais claro de que até o mal moral se enquadra nos planos de Deus é a crucificação de Cristo. Quem negaria que a traição de Jesus por Judas foi um ato moralmente mau?
Contudo, em Atos 2.23, Pedro diz: "Esse Jesus, sendo entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos". A traição foi pecado, mas fez parte do plano determinado por Deus. O pecado não frustrou seu plano nem deteve sua mão.
Ou quem poderia dizer que o desdém de Herodes (Lc23.11) ou a atitude covarde de Pilatos (Lc 23.24) ou o grito dos judeus: "Crucifica-o! Crucifica-o!" (Lc 23.21) ou a zombaria dos soldados gentios (Lc 23.26) — quem diria que essas atitudes não eram pecados? Todavia, Atos 4.27,28 registra a oração dos santos:
Verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazer tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram.

As pessoas erguem a mão para rebelar-se contra o Altíssimo, apenas para descobrir que sua rebeldia está, contra a sua vontade, a serviço dos maravilhosos desígnios de Deus. Nem mesmo o pecado pode frustrar os propósitos do Todo-poderoso. Ele não comete pecado, mas decretou que houvesse atos que são pecado — pois os atos de Pilatos e Herodes foram predestinados pelo plano de Deus.
Deus muda a situação como lhe apraz
De modo semelhante, quando chegamos ao fim do Novo Testamento e da história no Apocalipse de João, encontramos Deus no controle completo de todos os reis maus que fazem a guerra. No capítulo 17, João fala de uma meretriz sentada sobre um monstro com dez chifres. A meretriz é Roma, bêbada com o sangue dos santos; o monstro é o anticristo, e os chifres são dez reis, os quais "oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem, [e] pelejarão contra o Cordeiro" [v. 13, 14].
Será que esses reis maus estão fora do controle de Deus? Será que estão frustrando os planos de Deus? Longe disso. Sem saber, estão fazendo sua vontade. "Porque em seu coração incutiu Deus que realizem o seu pensamento, o executem à uma e dêem à besta o reino que possuem, até que se cumpram as palavras de Deus" (Ap 17.17). Ninguém na terra pode escapar ao controle soberano de Deus: "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina" (Pv 21.1; cf. Ed 6.22).
As intenções malignas das pessoas não podem frustrar as determinações de Deus. Essa é a lição da história da humilhação e exaltação de José no Egito. Seus irmãos o venderam como escravo. A esposa de Potifar fez que fosse encarcerado. O copeiro do faraó esqueceu-o na prisão por dois anos. Onde estava Deus em todo esse pecado e desgraça? José responde em Gênesis 50.20. Ele diz aos seus irmãos culpados: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida".
A desobediência teimosa do coração das pessoas não leva ao fracasso dos planos de Deus, mas à sua concretização.
Pense na dureza de coração em Romanos 11.25,26: "Não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo". Quem governa a ida e a vinda dessa dureza de coração, de modo que tenha um limite estabelecido e, na hora prevista, dê lugar à salvação garantida de "todo o Israel"?
Ou pense na desobediência em Romanos 11.31. Paulo fala aos seus leitores gentios sobre a desobediência de Israel ao rejeitarem o Messias: "Estes [Israel] foram desobedientes, para que, igualmente, eles [os gentios] alcancem misericórdia". Quando Paulo diz que Israel foi desobediente para que os gentios pudessem receber os benefícios do evangelho, os planos de quem ele tem em mente?
Só podem ser os de Deus. Israel, com certeza, não imaginou sua desobediência como maneira de abençoar os gentios ou obter misericórdia para Si mesmo, dando toda essa volta! Não seria, então, a lição de Romanos 11.31 que Deus rege a desobediência de Israel e a volta exatamente para os propósitos que planejou?
Mera coincidência não existe
A soberania de Deus sobre os assuntos humanos não se compromete nem pela realidade do pecado e do mal no mundo. Ela não se limita às boas ações das pessoas ou aos eventos agradáveis da natureza. O vento pertence a Deus, quer conforte, quer mate.
Eu sei que o Senhor é grande e que o nosso Deus está acima de todos os deuses.   Tudo quanto aprouve ao Senhor, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos. Faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o vento dos seus reservatórios (Sl 135.5-7).

No fim, temos de reconhecer que, se há um Deus no céu, não existem meras coincidências, nem mesmo nos menores detalhes da vida: "A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão" (Pv 16.33). Nenhum pardal "cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai" (Mt 10.29).
A luta e a solução de Jonathan Edwards
Como Deus pode ser feliz e decretar a calamidade? Imagine que ele tem a capacidade de ver o mundo
através de duas lentes.

Olhando pela mais estreita,

ele fica triste e irado com pecado e sofrimento.

Pela mais larga,

ele vê o mal em relação a seus propósitos eternos.

A realidade é como um mosaico.

As partes podem ser feias em si,

mas o todo é belo.


Muitos de nós já passaram por um período de grande luta com a doutrina da soberania de Deus. Se levarmos nossas doutrinas para dentro do coração, onde é o lugar delas, elas podem causar agitação, emoção e noites insones. Isso é muito melhor do que brincar com idéias acadêmicas que nunca tocam a vida real. Pelo menos existe a possibilidade de que a agitação desemboque em um novo período de calma e confiança.
Com muitos de nós acontece como com Jonathan Edwards. Ele foi pastor e um teólogo brilhante na costa leste dos Estados Unidos no começo do século XVIII. Foi o líder do Primeiro Grande Despertamento. Suas principais obras ainda desafiam as grandes mentes do nosso tempo. Sua junção extraordinária de lógica e amor fazem dele um escritor que comove profundamente. Cada vez que me sinto improdutivo e fraco, vou à minha coleção das obras de Edwards e animo-me com um dos seus sermões.
Ele relata a crise por que passou em relação à doutrina da soberania de Deus:
Desde a minha infância, minha mente esteve cheia de objeções à doutrina da soberania de Deus. [...] Para mim, era uma doutrina horrível. Mas eu me lembro muito bem do tempo em que pareci estar convencido, e plenamente satisfeito, dessa soberania de Deus.
Contudo, jamais pude dar um relato de como ou por qual meio fui convencido, e nem de longe imaginar, nem na época nem muito tempo depois, que houve nisso uma influência extraordinária do Espírito de Deus; eu simplesmente agora enxergava mais longe, e minha razão apreendeu a justiça e a lógica da doutrina. Entretanto, minha mente descansou nela; e dei fim a todas as contestações e objeções.

Houve uma mudança maravilhosa em minha mente, com respeito à doutrina da soberania de Deus, daquele dia em diante; de modo que, desde então, não mais surgiu em mim alguma objeção a ela, absolutamente. |...] Desde aquela época, com freqüência tive não apenas a convicção, mas uma convicção prazerosa. A doutrina muitas vezes pareceu-me extremamente agradável, clara e doce. Soberania absoluta é o que gosto de atribuir a Deus, Mas essa não foi minha primeira convicção.3
Portanto, não é surpreendente que Johathan Edwards tenha lutado séria e profundamente com um problema com que nos defrontamos agora. Como podemos afirmar a felicidade de Deus com base em sua soberania, quando muito do que Deus permite no mundo é contrário aos seus próprios mandamentos na Bíblia? Como podemos dizer que Deus é feliz quando há tanto pecado e desgraça no mundo?
Edwards não alegava ter esgotado o assunto nessa vida. Mas ele nos ajuda a encontrar um caminho possível para evitar contradições frontais e ao mesmo tempo ser fiel às Escrituras. Usando minhas palavras, ele disse que a complexidade infinita da mente divina é tal que Deus tem a capacidade de ver o mundo através de duas lentes. Ele pode olhar por uma lente estreita e por outra de ângulo aberto.
Quando Deus olha para um evento doloroso ou perverso através da sua lente estreita, ele vê a tragédia ou o pecado pelo que ela é em si mesma, e fica irado e triste. "Não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus" (Ez 18.32).
Mas quando Deus olha para um evento doloroso ou perverso através da sua lente de ângulo aberto, ele vê a tragédia ou o pecado em relação a tudo o que a causou e a tudo o que deriva dela. Ele a vê em relação a todas as ligações e efeitos que formam um padrão ou mosaico que se estende até a eternidade. Esse mosaico com todas as suas partes — boas e más— lhe apraz.4
"Ao Senhor agradou moê-lo"
Deus quis a crucificação do seu Filho.

O pecado e a dor,

ele abominou

(através da lente estreita).

Na obediência que cobriu o pecado e derrotou a morte,

ele se alegrou

(através da lente de ângulo aberto).

Assim é com toda dor e pecado:

Triste em si, ela não frustra seus planos

nem diminui sua mais profunda satisfação.


Por exemplo, a morte de Cristo foi vontade e obra de Deus Pai. Isaías escreve: "Nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. [...] Ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar" (53.4, 10). Mesmo assim, certamente, quando Deus Pai viu a agonia do seu Filho amado e a maldade que o levou à cruz, não teve prazer nessas coisas em si (vistas pela lente estreita). Deus abomina o pecado como tal e o sofrimento do inocente.
Apesar disso, de acordo com Hebreus 2.10, Deus Pai achou apropriado aperfeiçoar o Pioneiro da nossa salvação por meio do sofrimento. Deus quis aquilo que ele abominava. Ele o abominou na visão da lente estreita, mas não na visão de ângulo aberto da eternidade. Quando considerava a universalidade das coisas, o Pai via a morte do Filho de Deus como uma forma magnífica de demonstrar sua justiça (Rm 3.25, 26), de conduzir seu povo à glória (Hb 2.10) e de manter os anjos louvando por todo o sempre (Ap 5.9-13).
Por essa razão, quando digo que a soberania de Deus é a base da sua felicidade, não estou desprezando nem minimizando a ira e a tristeza que Deus pode expressar com o mal. Todavia, também não estou inferindo dessa ira e tristeza que Deus é um Deus frustrado que não consegue manter sua criação sob controle. Ele planejou desde a eternidade um mosaico magnífico da história da redenção e está moldando cada evento de forma infalível.'' A contemplação desse mosaico (com suas pedras claras e escuras) enche seu coração de alegria.
E se o coração do nosso Pai está cheio de felicidade profunda e inabalável, nós podemos ter certeza de que, quando buscamos nossa felicidade nele, não o encontramos "de mau humor". Não encontraremos um Pai frustrado, sombrio, irritadiço que quer ser deixado em paz, mas um Pai cujo coração está tão cheio de alegria que transborda para todos os que estão sedentos (e buscam o prazer cristão).
A felicidade de Deus está nele mesmo
Deus usa sua soberania para mostrar

o grande objeto do seu prazer,

sua GLÓRIA,

a beleza das suas perfeições multiformes.

Ele faz tudo o que faz para exaltar o valor da sua glória.

Ele seria injusto se valorizasse qualquer coisa

além daquilo que tem valor supremo,

que é ele mesmo.


Comecei este capítulo dizendo que o fundamento do prazer cristão e o fato de que Deus é supremo em suas próprias afeições:
O principal propósito de Deus é glorificar a Deus

e ter prazer em Si mesmo para sempre.


Vimos até aqui que Deus é absolutamente soberano sobre o mundo e que, por isso, pode fazer qualquer coisa que lhe agrade, de modo que não é um deus frustrado, mas um Deus profundamente feliz, que se regozija em todas as suas obras (Sl 104.31), quando as considera em relação à história da redenção.
O que ainda não vimos é como essa felicidade inabalável de Deus é realmente felicidade em Si mesmo. Vimos que Deus tem o poder soberano para fazer tudo o que lhe agrada, mas ainda não vimos especificamente o que é que lhe agrada. Por que contemplar o mosaico da história da redenção alegra o coração de Deus? Será que isso não é idolatria — que Deus tem prazer em algo que não ele mesmo?
Portanto, agora temos de perguntar: O que deixa Deus feliz? O que há na história da redenção que alegra o coração de Deus? O caminho para a resposta é investigar o que Deus procura com todas as suas ações. Se pudermos descobrir qual é essa coisa que Deus busca em tudo o que faz, saberemos o que mais o alegra. Saberemos o que está em primeiro lugar em suas afeições.
Deus tem prazer em sua glória
No apêndice 1, trago um breve estudo dos pontos de destaque da história da redenção, para descobrir o objetivo primordial de Deus em tudo o que ele faz. Se o que segue abaixo parece estar fora de sintonia com a Bíblia, recomendo que se examinem os elementos do apêndice que apóiam esses pontos.
Ali concluo que a glória do próprio Deus é suprema em suas afeições. O objetivo de tudo que ele faz é preservar e manifestar essa glória. Dizer que sua glória é suprema em suas próprias afeições significa que ele dá valor a isso mais do que a qualquer outra coisa. Ele tem prazer em sua glória acima de todas as outras coisas.
Não é fácil definir glória. É como a beleza. Como se definiria a beleza? Podemos apontar para algumas coisas, mas não defini-la. Permita-me, entretanto, uma tentativa. Ela pode referir-se ao brilho claro e terrível que às vezes irrompe em manifestações visíveis. Ou pode referir-se à grandeza moral infinita do seu caráter. Em qualquer dos dois casos significa uma realidade de grandeza e valor infinitos. C. S. Lewis nos ajuda com seu próprio esforço de apontar para ela:
A natureza nunca me ensinou que existe um Deus de glória e majestade infinita. Tive de aprender isso de outras maneiras. Mas a natureza deu à palavra glória um sentido para mim. Ainda não sei onde mais eu poderia ter encontrado um sentido. Não vejo como o "temor" de Deus poderia jamais ter significado outra coisa para mim a não ser os mais ínfimos esforços de prudência para estar seguro, se não tivesse visto algumas ravinas amedrontadoras e escarpas inacessíveis.6

Portanto, o objetivo principal de Deus é preservar e manifestar sua grandeza e valor infinitos e terríveis, ou seja, sua glória.
Deus tem muitos outros objetivos no que faz. Nenhum deles, porém, e mais importante que esse. São todos subordinados. A paixão predominante e Deus é exaltar a grandiosidade da sua glória. Com esse fim ele procura manifestá-la, combater os que desfazem dela, e fazê-la prevalecer sobre todo desprezo. Ela claramente é a realidade suprema em suas afeições. Ele ama sua glória infinitamente.
Isso é o mesmo que dizer: ele ama a Si mesmo infinitamente. Ou: ele mesmo é supremo em suas afeições. Um instante de reflexão revela a justiça inexorável desse fato. Deus seria injusto (assim como nós) se valorizasse qualquer coisa além do que tem valor supremo. E é ele que tem valor supremo. Se ele não tivesse prazer infinito no valor da sua própria gloria, seria injusto, porquanto é correto ter prazer em alguém na proporção da grandeza da glória dessa pessoa.
Deus se compraz na glória do seu Filho
"Ele [Cristo] é o resplendor da glória

e a expressão exata do seu Ser [de Deus]."7

Por isso o Pai se compraz infinitamente no Filho.

"Os céus proclamam a glória de Deus."8

Por isso Deus se compraz na criação,

como o derramamento da exuberância

que ele tem em sua própria grandeza.


Outra rápida reflexão lembra-nos de que é exatamente isso que firmamos quando afirmamos a divindade eterna do Filho de Deus. Estamos no sopé das montanhas do mistério em todas essas coisas. Mas as Escrituras nos dão alguns vislumbres das alturas. Elas nos ensinam que o Filho de Deus também é Deus: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo 1.1). "Nele habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9).
Por isso, quando o Pai contemplou o Filho desde a eternidade, estava contemplando a representação exata de Si mesmo. Como diz Hebreus 1.3, o Filho "é o resplendor da glória [de Deus] e a expressão exata do seu Ser". IICoríntios 4.4 fala "da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus".
Desses textos depreendemos que, por toda a eternidade, Deus Pai contemplou a imagem da sua própria glória perfeitamente representada na pessoa do seu Filho. Por essa razão, uma das melhores maneiras de pensar no prazer infinito que Deus tem em sua própria glória é vê-lo como o prazer que ele tem em seu Filho, que é o reflexo perfeito dessa glória (veja o 17.24-26).
Quando Cristo veio ao mundo, Deus Pai disse: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.17). Ao contemplar a imagem da sua própria glória na pessoa do seu Filho, Deus Pai é infinitamente feliz. "Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz" (Is 42.1).
Dentro da Divindade trina (Pai, Filho e Espírito Santo), Deus tem sido supremo em suas próprias afeições por toda a eternidade. Isso faz parte da sua natureza, pois ele gerou e amou o Filho desde toda a eternidade. Por isso Deus tem sido suprema e eternamente feliz na comunhão da Trindade.9
Deus se alegra na glória da sua obra
Na criação, Deus "veio a público"10 com a glória que reverbera alegremente entre o Pai e o Filho! Há algo na plenitude da alegria de Deus que a torna propensa a transbordar. Há uma qualidade expansiva nessa alegria. Ela quer compartilhar-se. O impulso de criar o mundo não foi fruto da fraqueza, como se Deus estivesse carente de alguma perfeição que a criação poderia lhe suprir. "O fato de que uma fonte tem a tendência de transbordar não é um argumento que prova que ela está seca ou deficiente."11
Deus gosta de contemplar sua glória refletida em suas obras. Assim a felicidade eterna do Deus trino transbordou na obra da criação e da redenção. E como essa felicidade original era o prazer que Deus tem em sua própria glória, a felicidade que ele tem em toda a sua obra de criação e de redenção nada mais é que o prazer em sua própria glória. Essa é a razão por que Deus fez todas as coisas, da criação à consumação, pela preservação e manifestação da sua glória. Todas as suas obras são simplesmente o transbordar da sua infinita exuberância, para sua própria grandeza.
Deus existe para nós ou para ele mesmo?
Deus faz todas as coisas em favor de Si mesmo.

"Por amor de mim, por amor de mim, é que faço isso. [...]

A minha glória, não a dou a outrem."12

Isso é amor,

porque ao buscar o louvor do seu nome

no coração do seu povo,

ele ordena aquilo que completa nossa alegria.

Deus é o único ser no universo

para quem a exaltação própria

é a mais alta virtude

e o ato mais amoroso.


Agora surge a questão: se Deus está tão totalmente inspirado em sua própria glória, como pode ser um Deus de amor? Se ele inapelavelmente faz todas as coisas por amor a Si mesmo, como podemos ter esperança de que fará alguma coisa por amor a nós? Não disse o apóstolo: o amor "não procura os seus interesses" (ICo 13.5)?
Agora começamos a ver como a questão da felicidade de Deus pode sustentar ou destruir a filosofia do prazer cristão. Se Deus fosse tão egocêntrico que não tivesse qualquer inclinação para amar suas criaturas, então o prazer cristão estaria morto. O prazer cristão depende dos braços abertos de Deus. Ele depende da disposição de Deus de aceitar, salvar e satisfazer o coração de todos os que buscam sua alegria nele. Porém se Deus saiu em campanha por Si mesmo e está fora de alcance, então é cm vão que buscamos nossa felicidade nele.
Deus existe para nós ou para Si mesmo? Exatamente ao responder essa questão é que descobriremos o grande alicerce do prazer cristão.
Deus é vaidoso ou amoroso ao ordenar nosso louvor?
A Bíblia está repleta de ordens para que se louve a Deus. Ele ordena o louvor porque esse é o objetivo principal de tudo o que ele faz — "ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram" (2Ts 1.10). Três vezes em Efésios 1 esse grande objetivo é anunciado: Deus, "em amor, nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, [...] para louvor da glória da sua graça!" (1.4-6), "predestinados [...] a fim de sermos para louvor da sua glória" (v. 11, 12), e o Espírito Santo "é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória" (v. 14).
Todas as diferentes maneiras que Deus escolheu para manifestar sua glória na criação e redenção parecem atingir seu ponto culminante nos louvores do seu povo redimido. Deus governa o mundo com glória exatamente para que possa ser admirado, aplaudido, exaltado e louvado. O clímax da sua felicidade é o prazer que tem nos reflexos da sua grandeza nos louvores dos santos.
Contudo, cada vez mais tenho visto pessoas tropeçarem nessa verdade. As pessoas não gostam de ouvir que Deus é supremo em suas próprias afeições, ou que faz todas as coisas para sua própria glória, ou que exalta a Si mesmo e busca o louvor do ser humano.
Por quê? Há pelo menos duas razões. Primeira, não gostamos de pessoas assim. A outra é que a Bíblia nos ensina a não ser assim. Examinemos essas objeções e vejamos se elas podem ser aplicadas a Deus.
Deus é "de segunda mão"?
Em primeiro lugar, não gostamos de pessoas que parecem inspirar-se em sua própria inteligência ou força ou habilidade ou boa aparência ou riqueza. Não gostamos de eruditos que tentam exibir seu conhecimento de especialista, ou que nos recitam todas as suas publicações mais recentes.
Não gostamos de homens de negócios que nos contam com que astúcia investiram seu dinheiro e como se mantiveram na dianteira do mercado, entrando por baixo e saindo por cima. Não gostamos de crianças que ficam se vangloriando (O meu é maior! O meu é mais rápido! O meu é mais bonito!). E, a não ser que sejamos um deles, desaprovamos homens e mulheres que não se vestem de modo simples e funcional, mas para atrair os outros com a última moda.
Por que não gostamos de tudo isso? Eu acho que, no fundo, é porque pessoas assim não são autênticas. Elas são o que Ayn Rand chama "de segunda mão". Elas não vivem da alegria que vem de alcançar o que valorizam por Si mesmo. Em vez disso, vivem de segunda mão, do elogio dos outros. Elas têm um olho em sua ação e outro em seus espectadores. Nós simplesmente não admiramos pessoas de segunda mão. Admiramos pessoas suficientemente seguras e serenas, que não precisam escorar suas fraquezas e compensar suas deficiências tentando receber elogios.
É lógico, então, que qualquer ensino que coloque Deus na categoria de segunda mão é inaceitável para os cristãos. E para muitos o ensino de que Deus procura manifestar sua glória e conseguir o louvor das pessoas de fato o coloca nessa categoria. Mas seria esse o caso?
Uma coisa é certa: Deus não é fraco e não tem deficiências. "Dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas" (Rm 11.36). "[Ele não] é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais" (At 17.25). Tudo o que existe deve sua existência a ele, e ninguém pode acrescentar qualquer coisa a ele, que já não esteja fluindo dele. Por isso o empenho de Deus em buscar sua própria glória e ser louvado pelas pessoas não pode advir da necessidade de escorar alguma fraqueza ou compensar alguma deficiência. À primeira vista, ele pode ser semelhante a essas pessoas de segunda mão, mas não é como elas, e a semelhança superficial tem de ser explicada de outra maneira.
"O amor não busca os seus interesses" —  a não ser na alegria dos outros"
As regras de humildade pertinentes à criatura

não podem se aplicar igualmente ao Criador.

A autonegação total seria idolatria em Deus.

Ao preservar sua própria glória,

ele preserva a base da nossa alegria.

E isso é amor.


A segunda razão por que as pessoas tropeçam no ensino de que Deus exalta sua própria glória e procura ser louvado pelo seu povo é que a Bíblia nos ensina a não ser assim. Por exemplo, a Bíblia diz que o amor "não busca os seus interesses" (ICo 11.5). Como Deus pode ser amoroso e ao mesmo tempo estar completamente empenhado em buscar sua própria glória, louvor e alegria? Como Deus pode existir para nós se ele existe tão totalmente para Si mesmo?
A resposta que proponho é essa: por Deus ser único como ser todo-glorioso e totalmente auto-suficiente, ele precisa existir para Si mesmo para poder existir para nós. As regras de humildade pertinentes à criatura não podem se aplicar igualmente ao Criador. Se Deus fosse dar as costas a Si mesmo como a fonte da alegria infinita, deixaria de ser Deus. Estaria negando o valor infinito da sua própria glória. Estaria dizendo que existe algo mais valioso fora dele mesmo. Estaria caindo em idolatria.
Isso não seria de qualquer proveito para nós, porque aonde poderíamos ir se nosso Deus se tornou injusto? Onde encontraríamos uma rocha de integridade no universo, se o coração de Deus deixasse de dar valor supremo ao que é de valor supremo? Para onde voltaríamos nossa adoração se o próprio Deus se esquecesse de alegar valor e beleza absolutos?
Não, nós não transformamos a auto-exaltação de Deus em amor exigindo que Deus deixe de ser Deus. Pelo contrário, temos de compreender que Deus é amor exatamente porque busca incansavelmente os louvores do seu nome no coração do seu povo.
O prazer é incompleto enquanto não se expressa
Pense nisso: considerando o infinito poder, sabedoria e beleza de Deus, o que seu amor ao ser humano envolveria? Ou, em outras palavras: o que Deus poderia dar para o nosso prazer que provaria que é extremamente amoroso? Há apenas uma resposta possível: ele mesmo! Se ele nos priva da contemplação dele e da sua comunhão, não importa o que mais ele nos dê, não estará amando.
Agora chegamos à beira de uma descoberta que mudou a minha vida. O que todos nós fazemos quando alguém nos dá ou mostra algo belo ou excelente? Nós o louvamos! Nós louvamos bebês recém-nascidos: "Olha, que cabecinha linda! E todo esse cabelo! E essas mãos, não são perfeitas?!" Louvamos uma pessoa amada depois de longa ausência: "Seus olhos são como um céu sem nuvens! Seu Cabelo é tão sedoso!" Louvamos as árvores no outono na margem do rio.
A grande descoberta para mim, como disse, veio quando li "Uma palavra sobre o louvor" em Reflections on the Psalms de C. S. Lewis. Seus pensamentos — nascidos da luta com a idéia de que Deus não apenas deseja nosso louvor, mas o ordena— são dignos de ser revisitados de modo mais completo:
O fato mais óbvio sobre o louvor, porém — seja de Deus, seja de qualquer coisa— estranhamente me escapara. Eu o considerava um tipo de elogio, aprovação, ou honra. Jamais eu percebera que toda alegria transborda espontaneamente em louvor a não ser que (e às vezes mesmo se) se permita deliberadamente que a timidez ou o medo de entediar os outros o refreie. O mundo ressoa de louvor: apaixonados louvam suas amadas; leitores, seu poeta favorito; caminhantes, a paisagem; esportistas, seu jogo predileto— louvor do tempo, dos vinhos, dos pratos, dos atores, dos motores, dos cavalos, das universidades, dos países, de personagens históricos, de crianças, flores, montanhas, selos raros, besouros exóticos, e às vezes até de políticos e professores. Eu ainda não tinha percebido como as mentes mais humildes, e ao mesmo tempo mais equilibradas e abertas, louvavam mais, enquanto as rabugentas, desajeitadas e descontentes louvavam menos. [...]
Nem percebera eu que, assim como as pessoas louvam espontaneamente o que quer que valorizem, elas espontaneamente nos incentivam a nos juntar ao seu louvor: "Ela não é linda? Não foi espetacular? Você não acha que foi maravilhoso?" Os salmistas, ao dizerem a todo mundo que louvem a Deus, estão fazendo o que todas as pessoas fazem quando falam do que ocupa sua atenção. Minha dificuldade maior e mais geral com o louvor de Deus dependia do absurdo de querer negar, no que tange ao Valor supremo, o que gostamos de fazer, o que na verdade não conseguimos deixar de fazer, acima de qualquer outra coisa que valorizamos.
Creio que gostamos de louvar o que nos alegra porque o louvor não apenas expressa mas completa a alegria; ele é sua consumação pretendida. Não é pelo elogio que os apaixonados continuam dizendo um ao outro como são belos; o prazer não se completa enquanto não é expresso.13

Essa é a solução! Louvamos o que gostamos porque o prazer não se completa enquanto não se expressa em louvor. Se não nos for permitido falar do que valorizamos, e celebrar o que amamos, e louvar o que admiramos, nossa alegria não será plena. Assim, se Deus nos ama o suficiente para tornar nossa alegria completa, tem de nos dar não apenas ele mesmo; ele também precisa conquistar o louvor do nosso coração — não porque precise escorar alguma fraqueza em Si mesmo ou compensar alguma deficiência, mas porque nos ama e busca a plenitude da nossa alegria, que pode ser encontrada somente em conhecer e louvá-lo, ele que é o ser mais magnífico que existe. Se ele existe realmente por nós, tem de existir para Sl!
Deus é o único ser em todo o universo para quem buscar o próprio louvor é o maior ato de amor. Para ele, a exaltação própria é a virtude mais elevada. Quando ele faz todas as coisas "para o louvor da sua glória", está preservando para nós e oferecendo-nos a única coisa em todo o mundo que pode satisfazer nossos anseios. Deus existe por nós! E a base desse amor é que Deus tem existido, existe agora e sempre existirá para Si mesmo.
Resumo
A felicidade de Deus em Deus

é a base da nossa felicidade em Deus.

Se Deus não exaltasse e manifestasse alegremente sua glória,

seríamos privados da base da nossa alegria.

Os fatos de Deus procurar nosso louvor

e de nele buscarmos prazer

estão em perfeita harmonia.

Porque Deus é mais glorificado em nós

quando estamos mais satisfeitos nele.


Deus é absolutamente soberano. "O nosso Deus está nos céus: faz tudo o que lhe apraz" (Sl 115.3, arc). Por isso não está frustrado. Ele se alegra em todas as suas obras quando as contempla como cores do mosaico magnífico da história da redenção. Ele é um Deus inabalavelmente feliz.
Sua felicidade é o prazer que tem em Si mesmo. Antes da criação, regozijava-se na imagem da sua glória na pessoa do seu Filho. Depois a alegria de Deus "veio a público" na obra da criação e da redenção. Essas obras alegram o coração de Deus porque refletem sua glória. Ele faz tudo o que faz para preservar e manifestar sua glória, porque nisso sua alma se alegra.
Todas as obras de Deus culminam nos louvores do seu povo redimido. O clímax da sua felicidade é o prazer que tem nos reflexos da sua grandeza nos louvores dos santos. Esse louvor é a consumação da nossa alegria em Deus. Por isso o fato de Deus procurar nosso louvor e o buscarmos nele o prazer são a mesma coisa. Esse é o grande evangelho! Esse é o fundamento do prazer cristão.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
NOTAS
1     Para uma defesa muito mais completa da soberania de Deus em tudo o que ele faz, veja John Piper, The pleasures of God: meditations of God's delight in being God. Sisters/OR, Multnomah Books, 1991, p. 47-78, 123-160; e The justification of God: an exegetical and theological study of Romans 9.1-23. Grand Rapids, Baker Book House, 1993.
2     Provérbios 16.33
3 "Personal narrative", em E. H. FAUST e T. H. Johnson (eds.), Jonathan Edwards: representative selections. Nova York, Hill and Wang, 1962, p. 58-59.
4 Edwards resolve esse problema fazendo distinção entre dois tipos de vontade de Deus (o que está implícito no que eu disse). A "vontade preceptiva" de Deus (ou vontade revelada) é o que ele ordena na Bíblia (não matarás, etc). Sua "vontade decretatória" (ou vontade secreta ou soberana) é o que ele infalivelmente faz acontecer no mundo. As palavras de Edwards são complexas, mas valem o esforço se você ama as coisas profundas de Deus:
Quando se faz distinção entre a vontade revelada de Deus e sua vontade secreta, ou entre sua vontade preceptiva e a decretatória, "vontade", certamente, nessa distinção, é empregada em dois sentidos. Sua vontade decretatória não é sua vontade no mesmo sentido que sua vontade preceptiva. Por isso, não é difícil supor que uma pode ser diferente da outra: nos dois sentidos, sua vontade é sua inclinação. Porém, quando dizemos que ele quer a virtude, ou ama a virtude ou a felicidade da sua criatura, subentende-se que a virtude ou felicidade da criatura, considerada de modo absoluto e simples, concorda com a inclinação da sua natureza.
Sua vontade decretatória é sua inclinação para uma coisa, não de modo absoluto e simples, mas com respeito à universalidade das coisas que foram, são ou serão. Assim, Deus, apesar de odiar uma coisa como ela simplesmente é, pode inclinar-se para ela com referência à universalidade das coisas. Apesar de odiar o pecado em Si mesmo, pode decidir permiti-lo, para a maior promoção da santidade na universalidade, incluindo todas as coisas, e em todos os tempos. Assim, apesar de não ter inclinação para a desgraça de uma criatura, considerada de modo absoluto, ele pode decidir por ela, para a maior promoção da felicidade nessa universalidade.
5     A expressão "história da redenção" refere-se simplesmente à história dos atos de Deus registrados na Bíblia. É chamada assim não porque não seja história verídica, mas porque é história vista da perspectiva do propósito redentor de Deus.
6     Citado de The four loves, em Clyde Kilby (ed.), A mind awake: an anthology of C. S. Lewis. Nova York, Harcourt, Brace and World, 1968, p. 202.
7     Hebreus 1.3.
8     Salmos 19.1.
9     Caso alguém pergunte que lugar o Espírito Santo tem nessa maneira de entender a Trindade, quero dirigir sua atenção para duas obras de Jonathan Edwards: "Treatise on grace" e "An essay on the Trinity". Ele resume sua maneira de entender a Trindade nos seguintes termos:
Assim suponho ser essa bendita Trindade de que lemos nas Escrituras Sagradas: O Pai é a divindade que subsiste da maneira primeva, não originada e mais absoluta, ou a divindade em sua existência direta. O Filho é a divindade gerada pelo entendimento de Deus, ou tendo uma idéia de Si mesmo e subsistindo nessa idéia. O Espírito Santo é a divindade subsistindo em ação, ou a essência divina fluindo e expirada no infinito amor de Deus e no prazer em Si mesmo. E eu creio que toda a essência divina subsiste verdadeira e distintivamente tanto na idéia divina como no amor divino, e que cada um é uma pessoa apropriadamente distinta. ("An essay on lhe Trinity", em Paul Helm, ed., Treatise on grace and other posthumously published writings. Cambridge, James Clark and Co., 1971, p. 118.)
Em outras palavras, o Espírito Santo é o prazer que o Pai e o Filho têm um no outro. Assim, o Espírito Santo, de algum modo inefável e inimaginável, procede e é expirado do Pai e do Filho, pela essência divina que é totalmente derramada e flui nesse amor e prazer infinitamente intenso, santo e puro que expira de modo contínuo e imutável do Pai e do Filho, primordialmente um em direção ao outro e em segundo lugar em direção à criatura, fluindo assim em uma subsistência ou pessoa diferente, de uma maneira totalmente inexplicável e incompreensível para nós, e que isso é a pessoa que é derramada no coração de anjos e santos. ("Treatise on grace", em Treatise on grace and other posthumously puhlished writings, p. 63).
10    Empresto essa expressão do livro de Daniel Fuller, The unity of the Bible: unfolding God's planforhumanity. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1992. Veja esp. os cap. 8 e 9.
11    "Dissertation concerning the end for which God created the world", em The works of Jonathan Edwards, vol. 1, p. 102. Essa "dissertação" é de imenso valor no tratamento de toda essa questão da meta de Deus na história.
12    Isaías 48.11.
13    C. S. Lewis, Reflections on the Psalms. Nova York, Harcourt, Brace and World, 195H, p. 93-95.

Nenhum comentário:

Postar um comentário