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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Predestinação


Louis Berkhof



Passando da discussão do decreto divino à da predestinação, continuamos tratando do mesmo assunto, mas passando do geral para o particular. A Palavra “predestinação” nem sempre é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é empregada simplesmente como sinônimo respeite a todas as Suas criaturas morais. Mais freqüentemente, porem, denota “o conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns e a justa reprodução dos restantes”. Na presente discussão, o termo é utilizado primariamente no ultimo sentido acima, embora sem excluir totalmente o segundo sentido.

A Doutrina da Predestinação na História.

A predestinação não constituiu um importante assunto de discussão na história até o tempo de Agostinho. Os primeiros pais da igreja, assim chamados, aludem a ela, mas em termos que fazem pensar que não tinham ainda uma clara concepção do assunto. Em geral a consideravam como a presciência de Deus com referencia aos atos humanos, baseado na qual Ele determina o seu destino futuro. Daí, foi possível a Pelágio recorrer a alguns daqueles primeiros pais. “Segundo Pelágio”,diz Wiggers, “a predeterminação da salvação ou condenação, funda-se na presciência.

Conseqüentemente, ele não admitia uma ‘predestinação absoluta’, mas, em todos os aspectos, uma ‘predestinação condicional’.” A princípio, o próprio Agostinho estava inclinado a esta maneira de ver, mas uma profunda reflexão sobre o caráter soberano do beneplácito de Deus levou-o a ver que a predestinação não dependia de modo algum da presciência divina das ações humanas, mas, antes, era a base da presciência de Deus. A sua apresentação da reprovação não é tão livre de ambigüidade como devia. Algumas das suas declarações fazem supor que na predestinação Deus conhece previamente o que Ele mesmo fará, conquanto também possa pré-conhecer o que Ele não fará – como no caso de todos os pecados; e fala dos eleitos como objetos da predestinação, e dos reprovados como objetos da presciência divina. Contudo, noutras passagens, ele falta também dos reprovados da predestinação, de sorte que não pode haver duvidas de que ele ensinava a dupla predestinação. Entretanto, ele reconhecia a diferença que existe entre ambas, diferença que consiste em que Deus não predestinou uns para a condenação e os meios para esta do mesmo modo como predestinou outros para a salvação, e em que a predestinação para a vida é um ato puramente soberano, ao passo que a predestinação para a morte eterna é também judicial e leva em conta o pecado do homem.

O conceito de Agostinho encontrou muita oposição, particularmente na França, onde os semipelagianos, embora admitindo a necessidade da graça divina para a salvação, reafirmavam a doutrina de uma predestinação baseada na presciência. E os que se incumbiam da defesa de Agostinho sentiam-se constrangidos a ceder nalguns pontos importantes. Não faziam justiça à doutrina da dupla predestinação. Somente Gottschalk e alguns dos seus amigos a sustentavam, mas a sua voz foi logo silenciada, e o semipelagianismo passou a dominar, pelo menos entre os lideres da igreja. Nos fins da Idade Media, ficou bem evidente que a Igreja Católica Romana admitiria ampla latitude quanto à doutrina da predestinação. Conquanto os seus mestres
sustentassem que Deus queria a salvação de todos os homens, e não apenas dos eleitos, podiam igualmente, com Tomaz de Aquino, mover-se na direção do agostinianismo, quanto à
predestinação, ou, com Molina, seguir o curso do semipelagianismo, como melhor lhes parecesse.

Significa que, mesmo no caso daqueles que, como Tomaz de Aquino, criam na dupla e absoluta predestinação, esta doutrina não podia ser desenvolvida coerentemente e não podia ser posta como fator determinativo do restante da sua teologia.

Todos os reformadores do século dezesseis defenderam a mais estrita doutrina da predestinação. Esta afirmação é verdadeira mesmo quanto a Melanchton, em seu período inicial.

Lutero aceitava a doutrina da predestinação, se bem que a convicção de que Deus queria que todos os homens fossem salvos o levou a enfraquecer um tanto a doutrina da predestinação nos últimos tempos da sua existência. Ela foi desaparecendo gradativamente da teologia luterana, que agora a considera, total ou parcialmente (reprovação), como condicional. Calvino sustentou firmemente a doutrina agostiniana da predestinação dupla e absoluta. Ao mesmo tempo, em sua defesa da doutrina contra Pighius, deu ênfase ao fato de que o decreto concernente à entrada do pecado do mundo foi um decreto permissivo, e que o decreto de reprovação deve ter sido elaborado de maneira que Deus não fosse o autor do pecado, nem responsável por este, de modo nenhum. As confissões reformadas (calvinistas) são notavelmente coesas na incorporação desta doutrina, conquanto não a apresentem todas com igual plenitude e precisão. Em conseqüência da investida arminiana contra a doutrina, os Cânones de Dort contem uma minuciosa exposição dela.

Nas igrejas do tipo arminiano, a doutrina da predestinação foi suplantada pela doutrina da predestinação condicional.

A partir da época de Schleiermacher, a doutrina da predestinação recebeu formação
inteiramente diversa. A religião foi considerada como um sentimento de dependência absoluta, um Hinneigung zum Weltall, uma consciência de completa dependência da causalidade própria da ordem natural, com suas leis invariáveis e suas causas secundárias, que predetermina todas as resoluções e ações humanas. E a predestinação foi identificada com esta predeterminação feita pela natureza ou pela conexão causal universal que há no mundo. Não há severidade exagerada na fulminante acusação feita por Otto a esse conceito: “Não pode haver um produto mais espúrio da especulação teológica do que este, nem uma falsificação mais fundamental das concepções religiosas do que esta; e certamente não é conta esse modo de ver que o racionalista se sente em antagonismo, pois ele próprio é uma peça de sólido racionalismo, mas constitui, ao mesmo tempo, um completo abandono da verdadeira idéia religiosa de ‘predestinação’.”1 Na teologia modernista, a doutrina da predestinação não encontra apoio real. Ou é rejeitada ou sofre tal mudança que fica irreconhecível. G. B. Foster a rotula de determinismo; Macintosh a apresenta como uma predestinação de todos os homens a se conformarem à imagem de Jesus Cristo; e outros a reduzem a uma predestinação a certos ofícios ou privilégios.*

Em nossos dias, Barth voltou a dirigir a atenção à doutrina da predestinação, mas sua
elaboração dela nem de longe se relaciona com a de Agostinho e Calvino. Com os reformadores ele sustenta que esta doutrina acentua a soberana liberdade de Deus em Sua eleição, revelação,vocação, e assim por diante.2 Ao mesmo tempo, não vê na predestinação uma predeterminada separação feita entre os homens, e não entende a eleição como uma eleição particular, como a entendia Calvino. Dá prova disso o que ele diz na página 332 da sua Roemerbrief. Daí dizer Camfield, em seu Essay in Barthian Theology (Ensaio Sobre a Teologia Bartiana), intitulado:
Revelation and the Holy Spirit (A Revelação e o Espírito Santo):  “É preciso salientar que a predestinação não significa a seleção de certo número de pessoas par a salvação e das restantes para a condenação, segundo a determinação de uma vontade desconhecida e incognoscível.

Essa idéia não pertence à predestinação própria mente dita”. A predestinação leva o homem a uma crise, no momento da revelação e da decisão. Ela o condena na relação em que, por natureza, ele se acha com Deus, como pecador, e nessa relação o rejeita, mas o escolhe na relação à qual ele é chamado em Cristo, e para a qual ele foi destinado na criação. Se o homem reage positivamente à revelação de Deus, pela fé, ele é o que Deus tencionava que fosse: um eleito; mas se reage negativamente, continua sendo um reprovado. Mas, desde que o homem está sempre em crise, o perdão incondicional e a rejeição completa continuam a aplicar-se simultaneamente a cada um. Esaú pode tornar-se Jacó, mas Jacó pode tornar a ser Esaú. Diz McConnachie: “para Barth e, como ele acredita, para Paulo, o indivíduo não é objeto de eleição ou reprovação, mas é, antes, a arena da eleição ou da reprovação. As duas decisões encontram-se dentro do mesmo indivíduo, mas, de modo tal que, visto do lado humano, o homem é sempre reprovado, mas, visto do lado divino, é sempre eleito… A base da eleição é a fé. A base da reprovação é a falta de fé. Mas, quem Crê? E quem não crê? A fé e a descrença estão fundadas em Deus. Estamos às portas do mistério”.



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